Quarta Criativa🦋#24 e se meu vermelho for o teu verde?
Edição dedicada às falhas de tradução ✨
Ainda não conhece a newsletter Quarta Criativa da crisálida? Por que essa estrutura vai desbloquear sua criatividade? Tá aqui a estrutura explicadinha e lindinha só pra tu 💖
O Ovo: onde tudo é possível
(Se inspirar ou referências da semana)
🎥Vídeo: Resume 2025 - Liberatum. Duas mulheres de terno e gravata numa sala de espera com maletas pretas do lado. A coreografia começa com batidas exageradas do coração — o corpo dizendo o que a postura tenta conter. A dança segue como uma tradução silenciosa daquilo que se passa por dentro em um recorte de uma espera. Até que uma delas é chamada, se levanta e sai. A outra arruma a gravata. Endireita o corpo. Volta ao “normal”.
O vídeo desenlaça uma entrevista de emprego (ou a espera dela) como a performance que é. Puxa de dentro o que a gente sente, mas desaprendeu como mostrar. É a explosão interna que aprendemos a conter. Fala sobre o quanto a nossa verdade, tantas vezes, precisa se encaixar pra ser aceita.
E sobre o que cada um vê… quando olha a mesma coisa.
🎨Arte: Em Abaporu (1928) de Tarsila do Amaral (na galeria abaixo ↓) vemos uma figura humana de proporções distorcidas: cabeça pequena, pé gigantesco, corpo alongado, num cenário quase onírico. Em tupi-guarani, Abaporu significa “homem que come” — símbolo do antropofagismo modernista, que propunha devorar e reinventar referências culturais.
Sim, todo mundo já viu Abaporu. Mas olha de novo. Sem pressa. Com esse olhar curioso sobre o quanto a nossa percepção é moldada por dentro.
A obra, com sua anatomia exagerada e surreal, rompe expectativas e desafia o que a gente chama de “forma”. O que é deformação? O que é exagero? O que é real?
Talvez a resposta esteja menos na imagem… e mais em quem olha.
🌌Ciência: O nascimento de uma estrela (HH 30) pelo telescópio James Webb (na galeria abaixo ↓). A NASA capturou o exato momento em que uma estrela nasce. Uma protoestrela envolta em poeira e luz, lançando jatos pelo espaço, a 450 anos-luz da Terra. Pensa nisso: o instante em que algo começa, atravessando o tempo e chegando até nós como imagem. A lente vê ciência. Mas teus olhos veem o quê? O que tu sentes diante desse nascimento distante? O que aparece aí dentro quando o universo lá fora pulsa? Mesmo quando olhamos a mesma coisa, o que cada um enxerga é só seu.


A Lagarta: Pé no chão, raízes
(Se conectar)
Escolhe um objeto que esteja perto de ti. Pode ser qualquer coisa: uma colher, uma planta, um brinco, um copo. Olha pra ele com calma. Repara nas cores, nas curvas, nos detalhes miúdos. Fica com ele por um tempo — só olhando.
Agora esconde esse objeto: vira de costas, guarda numa gaveta, cobre com um pano. Tenta desenhar esse objeto só com o que ficou na tua memória. Sem pressa. Quando achar que terminou, pega o original de volta e compara.
O que ficou de fora? O que teu cérebro inventou? O que apareceu diferente?
A gente confia demais nos nossos sentidos (e na nossa memória). Mas será que eles captam mesmo a realidade — ou só entregam versões rápidas, práticas, inacabadas do que tá diante de nós?
Hoje, o convite é esse: desacelera. Olha pro mundo como quem quer descobrir o que há por trás da primeira impressão.
O Casulo: Introspecção, reflexão
(Olhar pra dentro)
Desde criança, aprendemos as cores porque alguém aponta e diz: isso é vermelho, isso é verde, isso é azul. Mas como ter certeza de que o vermelho que eu vejo é o mesmo que você vê? E se o que eu conheço como vermelho for o que você vê como verde? Aprendemos a conectar uma cor ao seu nome porque alguém apontou e conectou nossa experiência subjetiva da cor com um nome que todo mundo reconhece. E se estivermos usando os mesmos nomes para experiências completamente diferentes?
É só uma brincadeira mental, mas essa dúvida também revela algo mais profundo: nossa experiência de mundo é construída em cima de um sistema falho — o corpo.
Acreditamos que ver, ouvir, tocar, cheirar, sentir… nos conecta ao que é real. Mas essa conexão é mediada. Editada. Interpretada. E o cérebro, com suas soluções criativas, vive tentando preencher os vazios da percepção. Aqui vão algumas provas (sim, provas!) dessa falha que todo mundo já viveu:
Ponto cego: existe uma parte do seu campo visual onde você simplesmente não enxerga (o ponto cego). Mas o cérebro completa a imagem pra você não andar por aí com um ponto preto em tudo que olhar (fale mais sobre o olho aqui). Para testar seu ponto cego:
Cobre o olho esquerdo e olha para o + com o olho direito (tem que manter o olho fixo lá!
Devagar, você vai se aproximar da tela até que… o círculo amarelo desaparece e o cérebro preenche a lacuna com outro círculo vermelho – informação que ele captou ao avaliar todos os círculos vermelhos que compõem a área ao redor.
Sensação térmica relativa: coloca uma mão em água quente e a outra em água fria. Depois mergulhe ambas numa mesma bacia de água morna. Cada mão vai dizer algo diferente sobre a mesma água.
Ilusões ópticas: o vestido azul e preto ou branco e dourado, linhas retas que parecem curvas, círculos que giram sozinhos. Nosso cérebro preenche lacunas, força contrastes, inventa movimento (você encontra um monte de ilusões de óptica aqui)
Pareidolia: você já viu “rostos” em tomadas, nuvens, torradas? Nosso cérebro busca padrões — especialmente rostos — mesmo onde não há nenhum (mais aqui).
Efeito McGurk: o que vemos pode mudar o que ouvimos: o efeito McGurk acontece quando a articulação dos lábios altera a sílaba que ouvimos. Nesse vídeo você vê um homem pronunciando BA BA BA e depois FA FA FA…será?
Imaginação que muda o som: um estudo (Berger & Ehrsson, 2018) mostrou que apenas imaginar um objeto enquanto se ouve um som é suficiente para alterar a percepção auditiva futura. A mente influencia os sentidos antes mesmo de algo existir fora dela.
Esses exemplos não são exceções bizarras — são revelações cotidianas de que o que sentimos e percebemos do mundo não é o mundo em si, mas uma versão dele construída no escuro, no improviso, dentro do nosso cérebro.
E se até aqui falamos de sentidos — que parecem ser o chão firme da experiência — imagine o que acontece quando passamos para campos mais sutis, como emoções, memórias, valores, ideias.
Crescemos com filtros: nossa cultura, nossa linguagem, nossa educação, as dores que vivemos, os amores que perdemos. Tudo isso não apenas colore, mas molda a forma como interpretamos o que acontece. Uma mesma frase pode confortar um e machucar outro. Um gesto pode parecer afeto ou ameaça, dependendo de quem olha. O silêncio deixado em uma situação, para uns, é paz, para outros, punição. A subjetividade da nossa experiência não se limita aos nossos sentidos — ela também é atravessada pela história que carregamos.
E, mesmo assim, seguimos acreditando nas nossas interpretações como se fossem verdades absolutas. Julgamos o outro como se ele habitasse o mesmo mapa que o nosso. Como se as palavras que usamos carregassem o mesmo peso, o mesmo som, a mesma imagem. Talvez só porque não paramos pra pensar nisso. Porque agora, quando a gente parou, não faz o menor sentido esperar dos outros a mesma experiência que a nossa, não é?
Assim, dá pra entender por que as certezas absolutas são tão perigosas. Por que a comunicação falha, as guerras começam, os laços se rompem. Cada um vive na sua própria tradução — imperfeita, parcial, profundamente subjetiva e individual — daquilo que existe.
Se a base da nossa experiência (os sentidos) já é uma interpretação, do resto, nem se fala. O mais honesto deve ser admitir: tudo é subjetivo. Tudo.
No final das contas, talvez a pergunta mais importante seja: será que podemos aceitar e conviver com diferentes interpretações ou só conseguimos caminhar lado a lado quando nossas ilusões coincidem?
Nesse abismo de incertezas, contra o medo, só nos resta a curiosidade de ouvir o que o outro vê quando olha pra mesma coisa.
A Metamorfose: A transformação, mudança
(Experimentar)
Chama alguém pra esse experimento contigo.
Escolhe um objeto qualquer — mas tu não pode olhar pra ele. Quem vai observar é a outra pessoa. A missão dela é te descrever o objeto com o máximo de detalhes possível: cor, textura, forma, brilho, peso, o que mais lembrar.
Enquanto ela descreve, tu desenha. Não pergunta, só ouve. Vai desenhando o que essa descrição te provoca, como tua cabeça imagina.
Quando terminar, olha pro objeto real. Compara.
Depois, reflete: o que veio da percepção da outra pessoa? O que foi teu? O que ficou no meio do caminho entre os dois?
Essa criação é uma mistura: a visão do outro, passada pelo teu filtro. Uma metamorfose da experiência. Uma tradução da tradução.
A Borboleta: Voo, produção, realização
(Abrir as asas e voar)
Lembra do exercício da Lagarta? Aquele de olhar um objeto, guardar e desenhar só de memória?
Agora pega esse desenho que tu fez e coloca ele do lado do objeto real. Repara nas diferenças. O que sumiu? O que apareceu do nada? O que ficou torto, exagerado, inventado?
Agora escolhe uma dessas distorções — e transforma ela no centro da tua criação. Amplifica. Cresce ela. Faz dela o ponto de partida. Escolhe o formato que quiser: uma imagem, um poema, um som, um corpo em movimento. Mas foca nessa diferença como se ela fosse o núcleo da tua verdade naquele momento.
O que tu vê quando o que tu lembra não bate com o que é?
Porque é aí, no que se desvia, que tua subjetividade se mostra bem.
Espero que essa edição te ajude a ser mais gentil com as discordâncias.
Bjs e até quarta que vem <3