Quarta Criativa🦋 #36 feminismo para os homens???
Edição dedicada às amizades olho no olho✨
Ainda não conhece a newsletter Quarta Criativa da crisálida? Quer saber por que essa estrutura pode desbloquear sua criatividade? Tá aqui a estrutura explicadinha e lindinha só pra tu 💖
Sabia que agora você pode ASSISTIR às Quartas Criativas??? Acessa aqui a playlist das QCs.
O Ovo: onde tudo é possível
(Se inspirar ou referências da semana)
🎥Vídeo: Pink or Blue, de Hollie McNish. Um poema performático direto, sensível e afiado sobre como os papéis de gênero são impostos desde os primeiros dias de vida. A poeta britânica costura cenas cotidianas — da infância à vida adulta — revelando como essas marcações moldam nossos corpos, comportamentos e afetos.
Esse vídeo é inglês e sem legendas MAS traduzi aqui pra tu. De nada ^^
🌌Ciência: E se a vulnerabilidade não fosse fraqueza, mas força? No TED Talk “O poder da vulnerabilidade” (tem legendas em português!), Brené Brown mostra como se abrir — mesmo no risco e na imperfeição — é o que torna a conexão possível. Uma fala sensível, provocadora e essencial pra quem quer entender o que sustenta os vínculos de verdade. Acho até provável que você já tenha cruzado com esse vídeo por aí… mas eu não podia simplesmente deixar ao acaso. Ele é essencial pra tudo que a gente vai discutir nessa edição. 👀
🎨Arte: Yin Yang (2020) de Shahzia Sikander. Nessa pintura, a artista paquistanesa-americana brinca com formas abstratas que se entrelaçam num sistema dinâmico. Ela escreve: “A imaginação é uma qualidade humana maravilhosa, ligada ao Yin-Yang da vida e da morte, do claro e do escuro, do conflito e da erosão.”
Um convite a imaginar o equilíbrio como algo vivo, sensível, em movimento, onde o todo é maior do que a soma das partes.
A Lagarta: Pé no chão, raízes
(Se conectar)
Tu já reparasses em como certas conversas acontecem só com algumas pessoas? Como tem vínculos que parecem sempre se mover na superfície — eficientes, engraçados, cordiais — mas que nunca atravessam a pele? Como alguns encontros não seguram o silêncio? Não sustentam o olho no olho?
Geralmente, a gente sabe intuitivamente o que cada relacionamento pode sustentar mas raramente para pra realmente refletir sobre isso. O que pode ou não ser dito nesse grupo aqui? O que eu posso mostrar ali? Que piada eu sei que vai colar aqui? E por que?
Essa semana, o convite é observar. Perceber como delineamos nossos relacionamentos, como definimos a linha do que compartilhar, como se constrói em nós o que esperar daquele outro. Por que aqui e não ali?
Tu tens consciência das escolhas comportamentais que vens fazendo dentro dos teus relacionamentos?
O Casulo: Introspecção, reflexão
(Olhar pra dentro)
Eu tenho uma amiga trans que vou chamar de C. Ela se assumiu como mulher já adulta, então passou toda a infância e adolescência sendo tratada como menino. Como sempre foi alucinada por futebol, jogava desde pequena e chegou a jogar pela universidade — ou seja, vivia em um ambiente bem macho.
Quando nos aproximamos, eu era a única amiga mulher dela na cidade onde a gente morava. Um dia, levei C pra um encontro na casa da minha amiga J — Mulheres, vinho, sofá, conversa até tarde — dessas que atravessam de tudo: corpo, infância, sexo, medo, mãe, esperança.
Foi a primeira vez que C viveu um encontro assim. Só mulheres. Conversa noite adentro. Na volta, ela tava muda. Depois me disse: isso sempre acontece? Ela estava chocada. Com a profundidade da conversa, com as intimidades sendo expostas e trançadas, com o olhar no olho, com o aconchego, com o vínculo sendo construído e fortificado com cuidado, carinho, escuta, vulnerabilidade. Tudo isso inclusive entre quem tinha acabado de se conhecer.
C estava acostumada com outros tipos de encontro. Com os amigos, os encontros eram pra assistir jogo de futebol, sair pra comer ou beber, jogar videogame. Mas nunca pra olhar no olho e contar das coisas que doíam, das que brilhavam por dentro.
Ela tem vários amigos, todos capazes de conversar sobre inúmeros tópicos externos — esportes, sociedade, cultura, clima, política — mas incapazes de falar da vida interna. Como se sentem de verdade, os amores perdidos, o desejo de ser visto, o peso da vida. Nenhum capaz de se permitir ser vulnerável com o outro.
Claro, nem todo homem, nem toda amizade. Mas as amizades masculinas de C não são a exceção. Vejo o mesmo nas amizades do meu parceiro. Um dia, o melhor amigo dele terminou o noivado, e ele descobriu pelas redes sociais. Eu perguntei:
“Amor, conversasse com ele?”
“Sim, ele confirmou que eles acabaram.”
“Mas o que aconteceu? Como ele tá?”
“Ah, não sei… ele tá bem.”
E os amigos do meu parceiro não conhecem as grandes intimidades dele. Tanta coisa que ele me conta e diz que “ninguém mais sabe”. Tanta coisa que eu e minhas amigas compartilhamos entre nós que ele fica impressionado. E isso não é só ele — isso se confirma com a maioria das minhas amigas que namoram homens.
Brené Brown já ensinou sobre o poder da vulnerabilidade: sem vulnerabilidade, não há conexão. Sem conexão, não há intimidade. E é por isso que, muitas vezes, o único relacionamento realmente profundo que os homens vivem é no amor romântico. É o único espaço socialmente aceito onde podem tocar e ser tocados com carinho, pedir colo, mostrar afeto, dividir o que sentem, os medos, os desejos. Onde têm, enfim, o direito de se conectar de verdade.
Ou seja: se esse relacionamento acaba, os homens perdem a única conexão verdadeiramente íntima que tinham. Eles ficam completamente sozinhos, isolados, perdidos na incapacidade de mergulhar em si — de compreender as suas próprias nuances abissais, de compartilhar esse mundo interno, de acessar o mundo de outros. E é justamente pela falta de desenvoltura emocional que eles carecem dos mecanismos pra cuidar dessa caldeira vulcânica deixada pelo abandono — uma ferida funda, instável e sem nome. A única opção remanescente parece ser desligar completamente o emocional.
Eles se tornam essas carcaças superficiais, incapazes de se conectar, de sentir empatia, de enxergar alguém além de si. É um mecanismo de defesa. É o estado de emergência que impede que desmoronem por completo. Não é tão surpreendente que muitos se tornem mulherengos, indisponíveis, egocêntricos. Sabe quando parece que ele vai desmoronar com o fim, mas uma semana depois tu o vê aparentemente radiante com outra pessoa debaixo do braço?
Eu to trazendo isso tudo pra, no fim das contas, concluir que, mais uma vez, não é culpa deles? Calmaaaaa, calma, calma, olhe lá. Ok, não é culpa deles terem sido criados numa sociedade machista que ensina que emoção e vulnerabilidade é fraqueza e coisa de mulher (portanto inferior). Mas é, sim, responsabilidade deles irem atrás de uma realidade melhor para si. A culpa deles nisso é não terem feito ainda. Quem tem a responsabilidade de romper esse ciclo destrutivo são eles. Os únicos que podem refletir, perceber e escolher se cuidar. Escolher finalmente trabalhar nessa área subdesenvolvida de suas vidas. O que não dá é continuar terceirizando para as mulheres ao redor a tarefa de ensinar a sentir, a conectar, a construir a ponte. Precisam abandonar esse posicionamento infantil de serem cuidados mas nunca cuidarem (nem de si).
E aqui cai bem uma frase que li esse mês em um livro de Sallie Nichols:
“A Libertação Feminina (o feminismo) é, por vezes, obtusamente vista como um movimento para libertar as mulheres do trabalho doméstico e dos preconceitos dos homens em todas as áreas da vida. Mas o que realmente está em jogo é a libertação de homens e mulheres da subserviência ao princípio masculino.”
Vale destacar que quando ela fala em “princípio masculino” está se referindo ao Yang do Yin-Yang, sabe? ☯️
Yin e Yang são forças complementares da filosofia chinesa que representam a dinâmica do universo: o Yin é o princípio feminino — receptivo, introspectivo, noturno — e o Yang, o masculino — ativo, racional, solar.
Ambos princípios/energias existem em todos nós — independente de gênero — e o equilíbrio entre eles é o que sustenta a saúde do todo.
Nós, mulheres, não somos as únicas que sofremos com a rejeição social do Yin. Homens têm sua vida emocional amputada desde pequenos. Não têm permissão de chorar, de sentir, de pedir ajuda. Vivem em uma solidão interna, com acesso limitado à conexão, ao toque, ao cuidado.
Nós, mulheres, aprendemos a nutrir uma rede de apoio. Temos vidas internas expandidas e compartilhadas. Se o relacionamento amoroso acaba, não ficamos sozinhas. Viramos para nossa amiga e dizemos: “tô destruída, me ajuda.” E passamos pela dor juntas. Sabemos ser vulneráveis. E sabemos o valor disso. Não precisamos de um estado de emergência porque temos permissão de sentir.
É óbvio que, dentro da estrutura social patriarcal, quem mais sofre somos nós, mulheres. A opressão é histórica, cotidiana, e se manifesta em todos os níveis: na desigualdade de direitos, na violência física e simbólica, no controle sobre nossos corpos, no silenciamento das nossas vozes, na sobrecarga invisível que carregamos sem respiro. A luta feminista nasce dessa dor — da urgência de transformar uma realidade que nos adoece, nos isola e nos diminui.
Mas isso não significa que os homens saem ilesos. Não significa que estejam vivendo vidas plenas, inteiras, livres. Porque também lhes foi negado o direito de sentir. Também cresceram sob a sombra de uma masculinidade rígida, que ensina que cuidar é fraqueza, que chorar é vergonha, que se abrir é se expor ao ridículo.
Não, a dor deles não é a mesma que a nossa. Mas ela existe. E também precisa ser nomeada.
A luta pela libertação emocional masculina começa em você, homem. São vocês que precisam decidir abandonar o silêncio, romper com os modelos herdados, escolher aprender a cuidar. E mais, vocês também são uma parte essencial na luta feminista como um todo. A transformação pela qual lutamos é ampla e coletiva. Precisamos de aliados, não de espectadores. Não queremos fazer com vocês o que foi feito conosco — excluir, silenciar, descartar. Sabemos como é viver assim, e não desejamos isso pra ninguém. Queremos o contrário: construir juntes uma realidade onde caiba todo mundo. Uma realidade mais justa e mais gostosa de viver.
A luta feminista é por todas as pessoas. Mas a revolução da intimidade masculina começa em você, homem. E mesmo que essa travessia seja sua, ela não precisa ser solitária.
A Metamorfose: A transformação, mudança
(Reinterpretar/Experimentar)
Essa semana, a proposta é partir de uma das referências do Ovo — o vídeo Pink or Blue ou a obra Yin Yang de Shahzia Sikander — e usar como ponto de partida pra criar algo seu.
Pode ser uma resposta, uma releitura, uma reinterpretação, uma expansão. Pode ser poema, colagem, bordado, playlist, ensaio, fotografia, rascunho de ideia, rabisco de pensamento.
O que te atravessou? E o que você tem a dizer a partir disso? Que imagem te veio à cabeça? Que memória surgiu? Que vontade deu?
Experimenta transformar o que te tocou em matéria prima — e tua.
A Borboleta: Voo, produção, realização
(Abrir as asas e voar)
Essa semana, o convite é pra olhar com carinho para teus próprios relacionamentos. Escolhe um deles — ou mais — e se pergunta: Que tipo de profundidade essa relação já sustenta? Que tipo de profundidade eu gostaria de cultivar nela? O que nós ainda não conversamos? O que ainda não foi dito, mas pulsa aqui dentro? E mais: o que tu tens oferecido ao outro? O que tu recebes em troca?
A proposta é escrever uma carta pra essa pessoa. Uma carta honesta, íntima, com o que há de mais verdadeiro em ti nesse vínculo. Essa carta pode ser escrita, mas pode também ser fotografada, desenhada, cantada. O que te couber. Pode ser uma carta de acolhimento, de saudade, de desejo, de abertura, de reconexão. Pode ser pra realmente enviar ou pra destruir depois.
Deixa o afeto tomar forma. E coloca tudo pra fora.
Espero que essa edição te abra espaço pra refletir.
Bjs e até quarta que vem <3