Quarta Criativa🦋 #30 Manual de Como Ajudar sue Amigue a Sair de um Relacionamento Tóxico
Edição dedicada às amizades mais fortes que a dor ✨
Ainda não conhece a newsletter Quarta Criativa da crisálida? Quer saber por que essa estrutura pode desbloquear sua criatividade? Tá aqui a estrutura explicadinha e lindinha só pra tu 💖
O Ovo: onde tudo é possível
(Se inspirar ou referências da semana)
🎥Filme: Mon Roi (Meu Rei) da diretora francesa Maïwenn. Não é fácil entender por que alguém permanece num relacionamento abusivo. E Mon Roi não tenta explicar — ele nos convida a sentir. Acompanhamos a protagonista Tony em sua recuperação após um acidente de esqui, enquanto relembra, em fragmentos intensos, seu relacionamento com Georgio, um homem sedutor, manipulador e instável.
Mais do que contar uma história de amor tóxico, o filme mergulha no emaranhado emocional que envolve esse tipo de relação: o desejo, a culpa, o apego, a esperança. É um retrato visceral, humano e, por isso mesmo, desconfortável — como se, aos poucos, a gente também fosse se dando conta da prisão emocional de Tony.
Uma provocação pra refletir não só sobre quem sofre, mas sobre como quem está por fora enxerga — ou não enxerga — os sinais.
📚Livro: Véspera, de Carla Madeira. O que leva uma mãe a abandonar um filho? É a pergunta que Carla Madeira responde com Véspera, uma narrativa que nos empurra para dentro dos abismos do afeto — aqueles que ninguém gosta de olhar de frente.
“A descida até o lugar onde somos capazes de tudo é, por vezes, um desmoronamento lento misturado à banalidade dos dias. Ou abrupta avalanche.”
O livro amarra uma história de desamor que atravessa gerações. É sobre vidas marcadas por silenciamentos, relações abusivas, dores que se acumulam aos poucos, até asfixiar e abismos de solidão entre quem sente a dor e quem não sabe ajudar.
“Você não entende. Uma mulher como você…não tem como entender, pode até se esforçar, mas não entende.” diz Vedina.
A escrita de Carla é crua, mas também delicada. Madeira nos faz perceber que há camadas de dor que não se desfazem com lógica ou conselhos. E que, muitas vezes, é na escuta que começa o cuidado — e a possibilidade de cicatrização.
Terminei esse no trem, voltando pra casa. Cheguei com o coração arrancado do peito, uma poça de lágrimas e a sensação de que tinha atravessado algo grande demais para caber numa chegada.
🎶Música: Corpo Fechado, de Johnny Hooker e Gaby Amarantos. Depois da dor, vem o grito. E em Corpo Fechado, esse grito vira dança. Johnny Hooker e Gaby Amarantos comemoram o momento em que a gente se levanta, sacode o coração e canta alto pra quem tentou apagar nosso brilho: vai me ver dançando, vai me ver amando, vai cair pra trás.
Essa música é a luz no fim do túnel — mas não é aquela luz suave não, visse? É farol de festa, é feitiço de proteção, é amizade servindo chá de realidade, força e amor. Tem raiva, tem deboche, tem riso, tem cura. É a borboleta que saiu do casulo com glitter nas asas e uma certeza no peito: “se depender do seu veneno, eu não morro mais.”
Pra quem já atravessou o furacão, ela lembra: é possível sair do outro lado. Inteira. Forte. E com o som no último volume.
A Lagarta: Pé no chão, raízes
(Se conectar)
Hoje, repara em como você escuta as pessoas ao seu redor. Quando alguém compartilha algo difícil, o que acontece dentro de você? Surge uma vontade de consolar, de resolver, de fugir do desconforto? Ou você consegue só estar ali, presente, mesmo sem saber o que dizer?
Essas reações dizem muito. Às vezes, o jeito que acolhemos o outro é um espelho — um mapa sutil da forma como lidamos com as nossas próprias dores. Se te incomoda ficar diante da tristeza alheia, será que não é difícil também ficar com a sua? Se você tenta resolver tudo rápido, será que existe urgência em silenciar algo dentro de você?
Experimenta levar essa escuta pra dentro. Fecha os olhos por um momento. Sente o corpo, a respiração, os pensamentos que chegam. Sem julgar, sem tentar mudar. Só escuta.
Antes de acolher alguém, é preciso fazer espaço dentro. E isso começa com atenção.
O Casulo: Introspecção, reflexão
(Olhar pra dentro)
Essa semana escutei da minha amiga:
“Eu o amo e tá doendo. Não me importa se ele merece ou não, se ele é um cara massa ou não. Agora o que importa é que eu tô sofrendo. Eu não preciso ser julgada. Eu preciso ser acolhida.”
Quem nunca sofreu por alguém que não “mereceu” seu sofrimento? E quem nunca viu isso de perto em uma pessoa próxima? Não é fácil ver quem a gente ama se machucar. Às vezes, a gente tenta amar e apoiar do melhor jeito que conseguimos e acaba não sendo o que a outra pessoa precisa. Às vezes, a gente se sente perdida, sem saber como ajudar.
Esse manual nasceu dessa vontade: organizar, a partir das nossas experiências de vida, um guia de apoio, uma bússola emocional para quem também está tentando ser porto seguro. Ele não é perfeito, não é definitivo, mas é validado sim pela psicóloga maravilhosa (que tenho orgulho de chamar de bestie) Bárbara Alves, a famosa @ciberpsi. Ele é real, é vivido, é cheio de amor.
Manual de Como Ajudar sue Amigue a Sair de um Relacionamento Tóxico
O.B.S.: Aqui, vamos chamar o indivíduo tóxico de Fulanin e sue amigue de Migs.
Não julgar
Quando alguém te traz a dor de um relacionamento abusivo, a última coisa que precisa ouvir é julgamento. Acredite, já existe vergonha de “ter deixado isso acontecer”, de “ter sido trouxa”. Comentários como:
❌ “Pelo amor da Deusa, para de ser idiota.”
❌ “Sério que você ainda tá nessa? De novo??”
… só envergonham e afastam.
Como diria Bela Gil, você pode substituir isso por:
✅ “Eu sei que não é fácil, tô aqui com você.”
✅ “Eu entendo, vamos atravessar isso de mãos dadas.”
Não culpabilizar
Nunca é culpa da pessoa que sofre. Sim, ela tem a responsabilidade de cuidar de si e buscar sair da situação — mas culpa? Não.
❌ “Não acredito que você deixou alguém fazer isso contigo.”
❌ “Por que você não foi embora antes?”
Só vão colocar a pessoa pra baixo. Que tal:
✅ “Eu sinto muito que isso tenha acontecido com você.”
✅ “Você não merece passar por isso, ninguém merece.”
Normalizar
A gente gosta de achar que nunca deixaria isso acontecer conosco — mas a verdade é que poderia ser qualquer pessoa. Ouvir isso traz o alívio de não se sentir pior que todo mundo por “deixar” isso acontecer.
❌ “Como você foi cair nessa?”
✅ “Isso acontece com mais gente do que você imagina. Acontece e não te faz menos forte, nem menos inteligente, nem menos nada.”
Validar sentimentos
Muitas vezes, buscar ajuda é buscar permissão para sentir. Não adianta dizer “Fulanin não merece seu sofrimento” se o sofrimento já está ali. Ele precisa ser reconhecido, merece espaço pra ser sentido sem precisar esconder, sem precisar fingir que não existe, sem se sentir mal por sentir. Sem vergonha nem culpa.
✅ “Eu entendo que você ama Fulanin, eu sei que dói.”
✅ “É difícil mesmo, mas eu tô aqui do seu lado.”
Criar uma ponte entre você e a dor da pessoa
Você pode nunca ter vivido um relacionamento tóxico, mas sabe o que é dor, coração partido, decepção, medo. Conectar suas dores às de Migs ajuda a aliviar a solidão de achar que ninguém entente, ninguém sente desse jeito.
✅ “Eu nunca passei por algo exatamente assim, mas eu sei o que é sentir como se a dor fosse maior que eu. Eu sei o que é ficar cega de amor. Lembra quando eu te contei sobre…?”
✅ “Eu posso não entender tudo, mas eu entendo o machucar, o doer. E tô aqui.”
Perguntar como precisa receber apoio
A gente geralmente tenta amar do jeito que gostaríamos de ser amada, mas nem sempre vai coincidir com o jeito da outra pessoa. Cada pessoa sente amor e apoio de jeitos diferentes. Perguntar como ela quer ser apoiada agora ajuda a oferecer o amor que ela realmente precisa. Pode ser que ouvir tudo que tem de errado com Fulanin é o que te ajude a sair do fundo do poço, mas talvez, pra Migs, isso só atrapalhe. Talvez ajudar seja só dizer que tá tudo bem sentir tudo isso e ter dificuldade em partir.
✅ “O que te ajudaria mais agora? Quer que eu só te ouça? Quer que eu te ajude a traçar um plano? Quer que a gente nem fale disso hoje e só vá fazer algo leve?”
Isso tira a pressão de adivinhar e garante que você esteja oferecendo apoio do jeito que Migs precisa naquele momento.
Escutar ativamente
Primeiro, pra deixar a pessoa falar, repetir e se ouvir porque falar é parte de processar. Segundo, pra prestar atenção nas entrelinhas, emoções e contextos. Muitas vezes, as informações chegam sutilmente, espalhadas entre várias histórias e você, escutando tudo, pode enxergar o quadro inteiro.
✅ “Eu reparei que toda vez que você tenta conversar sério, acaba levando a culpa. Você percebe isso também?”
✅ “Você falou disso outro dia, lembra? Parece que isso se repete muito.”
Reafirmar que Migs não é um peso
O medo de ser “peso” pode calar alguém no momento em que mais precisa de apoio. É essencial dizer claramente: você não é demais pra mim, eu quero estar aqui.
✅ “Se fosse eu no seu lugar, você me acharia um peso? Eu também não acho você. Eu quero ajudar.”
✅ “Eu não vou cansar de você por causa disso. Venha todas as vezes que precisar. Se por um acaso eu não puder em algum momento eu vou lhe dizer.”
Focar em ações e dinâmicas, não só rótulos
Dizer “ela é manipuladora” ou “ele é tóxico” ou “elu é abusive” pode fazer a pessoa entrar na defensiva — afinal, ela ainda tem sentimentos por quem a machuca e vai querer justificar as ações. Melhor apontar dinâmicas específicas, assim você traz exemplos concretos pra apoiar seu argumento e para abrir os olhos sem atacar diretamente.
✅ “Percebe que toda vez que você tenta expor um problema, Fulanin se vitimiza e você acaba colocando seus sentimentos de lado pra cuidar de Fulanin?”
✅ “Você tá oferecendo tudo de si e recebendo migalhas. Lembra quando Fulanin fez X e disse Y?”
Entregar verdades duras com cuidado
Sim, vai ter um momento de dizer coisas que doem. Entregar essas verdades com cuidado, carinho e respeito, além de ajudarem a encarar a dor, ajuda a tirar da defensiva e torna mais fácil Migs realmente te ouvir e aceitar teus conselhos. Como você entrega essas verdades pode ser a diferença entre ajudar e afastar.
✅ “Não faça isso porque… mas, se fizer, eu vou estar aqui do mesmo jeito.”
✅ “Eu entendo que você ama, que dói e que é difícil ouvir isso, mas…”
Equilibrar apoio e empurrão
É um jogo constante de tentar, errar, ajustar. Você precisa apoiar, mas também lembrar a pessoa de que ela é responsável pelo próprio movimento de sair. Não podemos ir demais pro apoiar e alisar a cabeça enquanto a situação continua, e também não podemos ir demais pro empurrão e fazer a pessoa se sentir julgada e não acolhida.
✅ “Se eu estiver te pressionando demais ou te passando a mão demais, me avisa. Eu quero fazer isso com você, não por você nem contra você.”
No fim das contas, amar alguém que sofre é também aprender a escutar com o coração, a sustentar silêncios difíceis, a caminhar ao lado sem tirar os pés do chão. Não existe um roteiro perfeito mas só a coragem de estar junto, mesmo sem ter todas as respostas, já faz uma grande diferença.
Que este manual seja mais do que um lembrete — que seja companhia. Que ele te alcance nas horas em que faltar chão, nas conversas em que tudo parece pouco, nos momentos em que o silêncio pesa mais que as palavras. Porque apoiar alguém, no fundo, é isso: escolher permanecer, mesmo quando não dá pra consertar nada.
(peraê que caiu um cisco no meu olho)
A Metamorfose: A transformação, mudança
(Experimentar)
Lembra de uma mensagem que chegou pra você num momento difícil — algo que acalmou, que fez a respiração desacelerar, que te acendeu a luz no fim do túnel. Pode ter sido uma frase, um áudio, um bilhete ou uma conversa. Palavras que ficaram.
Revisita esse gesto com calma. Lê de novo, escuta de novo, sente de novo. Deixa essas palavras te atravessarem como da primeira vez — ou talvez de um novo jeito agora.
Depois, transforma isso em algo seu. Recria essa mensagem com a sua voz, no seu tempo, no seu traço. Pode ser um texto, uma colagem, uma ilustração, um poema, uma carta, um vídeo. O formato é livre — o que importa é deixar o afeto recebido se transformar em expressão.
Nesse movimento, repara: o que exatamente te acolheu? Foi o tom? A presença? A escolha das palavras? Entender isso é como montar um pequeno mapa de afetos — revela o que te sustenta por dentro, e talvez até afine o jeito como você cuida de quem ama.
Criar, aqui, é também um jeito de se escutar. E lembrar do que te faz bem.
A Borboleta: Voo, produção, realização
(Abrir as asas e voar)
Pensa em uma vez em que você esteve lá por alguém — ou alguém esteve lá por você. Um momento de presença, te ancorando em meio ao caos. Uma conversa difícil, um gesto pequeno, um silêncio que acolheu.
Transforma essa memória em criação. Conta essa história do seu jeito. Um jeito que entrelace os fatos com os sentimentos e os significados. Pode ser um texto, um roteiro, um áudio, uma foto com legenda, uma coreografia.
Quando a gente transforma uma vivência em expressão, algo se organiza lá dentro. E, quem sabe, tocando o mundo, tua história pode virar abrigo pra mais alguém.
Espero que essa edição segure a tua mão.
Bjs e até quarta que vem <3