Quarta Criativa🦋 #27 o trabalho invisível
Edição dedicada aos mundos carregados em silêncio✨
Ainda não conhece a newsletter Quarta Criativa da crisálida? Quer saber por que essa estrutura pode desbloquear sua criatividade? Tá aqui a estrutura explicadinha e lindinha só pra tu 💖
O Ovo: onde tudo é possível
(Se inspirar ou referências da semana)
🎥Filme: O Labirinto do Fauno (trailer - o melhor que achei com legendas em Português), de Guillermo del Toro, é uma fábula sombria que fala com delicadeza sobre o poder da imaginação diante da dor. Em meio ao horror da guerra civil espanhola, Ofelia é uma criança que cria um universo fantástico onde enfrenta provas e descobre segredos — enquanto, no mundo real, carrega silenciosamente o peso da opressão e da perda. A fantasia aqui não é fuga: é resistência. É a forma que ela encontra de lidar com realidades que o mundo adulto se recusa a ver. Assim como tantos de nós, Ofelia atravessa labirintos internos que ninguém percebe — e constrói, em silêncio, sua própria linguagem de sobrevivência.
📚Livro: Em Aprender a Falar com as Plantas, Marta Orriols constrói com delicadeza o retrato de um luto que não pode ser compartilhado. Pouco antes da morte súbita do companheiro, a protagonista descobre que ele pretendia deixá-la. Com isso, ela precisa lidar não apenas com a ausência física, com o luto da morte, mas com o colapso silencioso de toda uma narrativa de vida — que ninguém mais sabe. O mundo espera dela um luto convencional, mas o que sente é confuso, ambíguo, solitário. É o tipo de dor que acontece por dentro, num lugar que ninguém vê.
Orriols escreve com uma escuta profunda para o não dito — e convida o leitor a fazer o mesmo: ouvir o que pulsa por trás do silêncio, nomear o que parecia impossível de ser dito e, pouco a pouco, reconstruir uma forma de seguir em frente.
🎨Arte: Migrant Mother (Mãe Migrante) de Dorothea Lange é uma das imagens mais emblemáticas do século XX — e, ainda assim, o que ela mostra permanece atual: o peso do cuidado, da sobrevivência, da responsabilidade silenciosa. Tirada em 1936 durante a Grande Depressão nos EUA, a fotografia retrata Florence Thompson, mãe de sete filhos, em um momento de exaustão e força contida. Não há grito, não há gesto dramático — apenas um silêncio pesado, quase insuportável, que fala de tudo que ela carrega por dentro. É uma imagem que eterniza o trabalho invisível da maternidade e da resistência feminina. E que nos lembra: por trás do cotidiano, há mundos inteiros sendo sustentados em silêncio.
A Lagarta: Pé no chão, raízes
(Se conectar)
Hoje, um convite pra parar por alguns minutos e observar o que anda acontecendo aí dentro.
Encontra um lugar tranquilo. Pode fechar os olhos, se quiser. Respira fundo. Agora, com atenção suave, tenta perceber:
O que tem ocupado espaço na sua mente nos últimos dias?
Tem alguma ideia, preocupação ou desejo que fica voltando?
Que tipo de pensamento você percebe mais: cobranças, listas de tarefas, lembranças, fantasias, dúvidas?
E no seu corpo: onde você sente mais tensão agora?
O foco aqui não é mudar nada. É observar. Dar nome. Reconhecer. Com gentileza, sem julgamento.
Às vezes, a gente passa o dia inteiro tentando resolver coisas por dentro — sem perceber o peso que isso tem.
Respira mais uma vez.
E, se quiser, anota o que percebeu. Colocar no papel pode ajudar a dar forma e trazer clareza pro que antes era só turbilhão.
O Casulo: Introspecção, reflexão
(Olhar pra dentro)
Tô cansada. Ando repetindo isso tanto. E quando me perguntam “de que?” Tenho dificuldade de responder. Porque canso, sim, das coisas normais: cuidar de filho, trabalhar, manter a casa em pé… Mas, honestamente? Esse é só o mínimo do meu cansaço. O que me esgota de verdade são os trabalhos invisíveis.
Vou te dar exemplos.
Te contei aqui que estou passando por uma recuperação de Burnout. Felizmente consegui pisar no freio antes da colisão total — por um triz. Desde então, ando trabalhando em coisas como:
Não me sentir um fracasso por “não ter aguentado” e por não ter acertado (ou percebido) antes de desmoronar.
Expandir minha visão pra ver todas as coisas que estão dando certo na minha vida e tudo que conquistei (meu relacionamento, minha casa, meu filho, meus amigos, minha família…) pra combater o sentimento de “estou em um buraco”.
Criar minha própria versão do que é empenho e sucesso profissional. Uma versão saudável que me caiba, sem me violentar.
Me convencer, dia após dia, de que posso (e devo) construir uma vida profissional para me realizar, não para provar nada pra ninguém.
Cultivar paciência com meu tempo e meus caminhos.
Resistir à tentação de me comparar com os outros - cada um tem seu caminho. O que funciona pra alguém não necessariamente funciona pra mim.
Praticar hábitos que me reconectem comigo mesma até me conquistar de volta e reconstruir essa ponte pra minhas partes mais sutis — já que esse burnout veio de uma desconexão absurda, onde eu simplesmente parei de me ver, me ouvir, me sentir.
Esses hábitos incluem:
Meditar todo dia. E me convencer a fazer mesmo nos dias que não tenho vontade.
Lembrar, ouvir e analisar meus sonhos — como janelas pro inconsciente.
Me reconectar com o Tarô: voltar a estudar e a praticar como ferramenta de autoconhecimento — outra janela pro inconsciente.
Recriar o hábito da escrita — prática diária para permitir que os pensamentos fluam sem pressão, organizando o caos no papel.
Tudo isso se soma às coisas “normais” que preciso trabalhar diariamente como nutrir minha autoestima, gerenciar a ansiedade, reprogramar uma mente treinada pra negatividade, conter explosões e cultivar paciência (especialmente com Ben) nos dias difíceis, sobreviver à culpa materna que vem de todos os lados…
Só quem tem uma mente acostumada a ser negativa sabe o trabalho que dá se convencer o tempo inteiro de ser o exato oposto.
Só quem naturalmente sente ansiedade com toda pedra no caminho sabe o trabalho que dá se manter presente no corpo e aquietar a mente.
Só quem tem uma autoestima machucada sabe o trabalho que dá se sentir bem e bonitx no próprio corpo.
Só quem é mãe sabe do peso de não dar ouvidos a tudo e todos que dizem que você não ama o suficiente (ou ama demais), não cuida o suficiente (ou cuida demais), não se preocupa o suficiente (ou se preocupa demais), não sacrifica o suficiente (ou sacrifica demais).
Mas TODO esse trabalho é invisível.
Enquanto por dentro eu to carregando pedra por pedra de uma ponte pra mim mesma, por fora eu to deitada no chão olhando pro teto.
Enquanto por dentro eu to trabalhando em focar na respiração, me visualizar protegida, construir todo o cenário de um futuro positivo, por fora eu to cortando uma maça pro meu filho.
Enquanto por dentro eu to administrando a construção — complexa, multidisciplinar, cheia de camadas, cheia de erros a serem corrigidos, confusões a serem acertadas, buracos a serem consertados, pesos a serem suportados, montanhas a serem superadas — de uma visão de sucesso que quero seguir, por fora estou sentada na grama de olhos fechados.
O peso do trabalho por uma mente — e consequentemente por uma vida inteira — mais saudável, ninguém vê. E, ainda assim, é o mais importante de todos. Cada degrau vencido se materializa em uma vida melhor de se viver. Em se tornar uma pessoa melhor pra si e melhor pra todo mundo que está em volta. E, mesmo assim, ninguém vê.
Não estou dizendo que fazemos esse trabalho pra sermos vistos. Fazemos para nós em primeiro lugar, pra quem amamos em segundo (sim, isso mesmo que você leu — precisamos nos amar primeiro pra saber amar aos outros) e para o resto do mundo em terceiro (uma pessoa gentil com si, reverbera gentileza no mundo inteiro).
Mas é muito difícil ter um esforço hercúleo desvalidado consistentemente. “Cansada? Cansada de que???” E aí, o esforço pra deixar isso entrar por um ouvido e sair pelo outro se soma à pilha invisível que ameaça nos esmagar.
Talvez o primeiro trabalho invisível em que deveríamos focar seja: nos ensinar a falar honestamente sobre nossos pesos com as nossas pessoas. Porque peso compartilhado pesa menos. Mas, pra isso acontecer, precisamos escolher falar — ninguém pode ler nossa mente. Precisamos ativar nossa rede de apoio antes de desmoronar. Precisamos confiar que existe, sim, quem queira nos ver, nos ajudar, nos amar — mesmo nossos pedaços mais bagunçados.
Não precisamos — não devemos — carregar tudo isso sozinhxs.
(E se tentarmos compartilhar e formos invalidadxs, podemos avaliar se temos energia — e vontade — suficiente pra educar, explicar e puxar pra perto. Nem todo mundo sabe como acolher, e nem sempre é por mal. Se não der, seguimos pra próxima pessoa.)
E se vier aquela voz dizendo “eu não posso despejar meu peso nos outros, ninguém vai me aguentar” eu to aqui pra te dizer:
Se tua melhor amiga estivesse nessa situação você gostaria que ela te dissesse? Você estaria lá por ela?
Tenho certeza que sim.
Ela gostaria de estar aí por você também. Se permite ser cuidadx.
Não precisamos — não devemos — carregar tudo isso sozinhxs.
A Metamorfose: A transformação, mudança
(Experimentar)
Essa semana, o convite é mergulhar numa criação alheia que fale — mesmo que sutilmente — do que não se vê.
Assiste, lê ou observa uma obra que te provoque esse sentimento de identificação com camadas internas e não ditas. Pode ser: uma cena de um filme, uma escultura, uma música, um livro…
Escolhe algo que te toque. Que te entregue as palavras que você não conseguiu achar sozinhx. E cria a partir disso. Não é pra explicar a obra. É pra dialogar com ela. Um texto que continue o que foi iniciado ali? Um desenho sobre o que você sentiu? Uma releitura da obra com as suas próprias cores e símbolos? Você quem sabe.
Esse é o seu jeito de tornar visível o que te tocou no invisível do outro.
Transformar é isso: acolher e devolver com a sua linguagem.
A Borboleta: Voo, produção, realização
(Abrir as asas e voar)
Tem coisas que a gente sente, pensa e vive… e que ninguém vê. Mas e se você pudesse dar forma a isso?
Essa semana, o desafio é: cria uma representação simbólica do(s) seu(s) trabalho(s) invisível(is). Pode ser um desenho. Um texto. Um som. Um gesto. Um bordado. Um mapa imaginário. Uma fotografia abstrata. Uma escultura com massinha. Um altar. Uma dança. Um bilhete pra você mesmx.
É sobre expressar — sem precisar explicar — o que você tem carregado aí dentro, silenciosamente.
Se alguém encontrasse essa criação sem saber nada de você, o que ela revelaria?
Esse é um ato de amor. De reconhecimento. De nomear, tocar, acolher o que vive dentro de você.
Espero que essa edição te faça se sentir vistx. Você não tá só.
Bjs e até quarta que vem <3