Quarta Criativa🦋 #18 quanto tempo o tempo tem?
Edição dedicada às bolinhas de sabão ✨
Ainda não conhece a newsletter Quarta Criativa da crisálida? Por que essa estrutura vai desbloquear sua criatividade? Tá aqui a estrutura explicadinha e lindinha só pra tu 💖
O Ovo: onde tudo é possível
(Se inspirar ou referências da semana)
🎥Filme: O Enterro de Kojo (2018) é um filme ganês de Blitz Bazawule (trailer). Um filme que flui como uma lembrança – fragmentado, delicado, quase etéreo. Acompanhamos Esi, uma menina que revisita o passado do pai em uma narrativa que explora a memória através do realismo mágico. A fotografia, um absurdo de linda, reforça essa sensação de sonho, onde passado e presente se entrelaçam.
📚Livro: Adeus, Tsugumi (aqui) de Banana Yoshimoto explora memórias e despedidas, focando no último verão de uma jovem com sua prima antes que suas vidas mudem para sempre. Ele tem esse sentimento de que o tempo está escapando, e precisamos vivê-lo intensamente enquanto podemos (escrevi mais sobre esse livro aqui).
🎨 Arte: Marina Abramović – The Artist is Present de 2009 (mais detalhes aqui). Nessa performance, Marina Abramović sentou-se imóvel em uma cadeira no MoMA, encarando silenciosamente qualquer pessoa que se sentasse à sua frente. Sem palavras, sem movimento. Apenas o tempo, nu e escancarado. Aqui, o tempo não é um detalhe, mas o próprio corpo da obra – ele se torna matéria-prima, esculpindo a experiência.
Por meio dessa obra, Marina nos mostra que estar presente é um ato de resistência e que o tempo, quando olhado nos olhos, pode nos atravessar completamente.
A Lagarta: Pé no chão, raízes
(Se conectar)
E se, por um instante, trocássemos o óbvio pelo inusitado e déssemos um nó na rotina, só para ver como ela se comporta?
Hoje, o convite é simples: vestir algo familiar com roupa nova.
Nessa edição aqui, te sugeri tomar banho no escuro. Mas pode ser também tomar água em uma xícara de chá, fazer um piquenique no chão da sala, trocar o toque do celular por um som absurdo. Sei lá…
Pequenos deslocamentos nos tiram do piloto automático e fazem o mundo parecer um pouco mais vivo, um pouco mais presente.
Se o tempo insiste em correr, talvez possamos enrolá-lo em pequenos instantes – colocando um detalhe inesperado no ordinário só pra se divertir e estar presente mesmo dentro do que já conhecemos.
O Casulo: Introspecção, reflexão
(Olhar pra dentro)
Quando a gente era criança, as férias de julho pareciam durar uma vida inteira. O espaço entre um aniversário e outro era uma jornada épica. Uma manhã livre se estendia como um campo aberto, onde cabiam mil descobertas e brincadeiras. O tempo tinha uma densidade imensa e era absurdamente elástico e vasto.
Lembra como nosso ano escolar durava uma eternidade? A gente contava os dias para as férias que só chegavam depois de muito, muuuuuuuuito esperar. Mas agora? Agora um ano começa e, num piscar de olhos, já estamos na metade. Em outro piscar, estamos comemorando o Natal novamente. Os meses evaporam, os dias correm entre compromissos, e aquela mesma manhã livre parece um breve intervalo em que você mal consegue terminar a primeira tarefa do dia.
Eu fiz 30 em janeiro. Não é exatamente uma crise de meia-idade – ainda falta muito para isso. Mas olhei para trás e vi que uma grande parte da minha vida já passou. Não é o fim, claro. Mas também já não é o começo. E, nos devaneios sobre o tempo, me peguei pensando no porquê dessa sensação de passagem ser tão diferente de quando eu tinha 10 anos.
Como foi que isso aconteceu?
Se a gente pensar na matemática das nossas vidas, até faz sentido: quanto mais vivemos, menor se torna a fração relativa de tempo que um período representa. Para uma criança de 4 anos, um mês equivale a 1/48 da sua existência. Para alguém de 30, um mês equivale a 1/360 da vida vivida. Ou seja, um mês para meu filho equivale a um pedaço de vida 7,5 vezes maior do que para mim.
Além disso, a vida de uma criança é repleta de primeiras vezes – o primeiro dia de aula, o primeiro tombo de bicicleta, o primeiro mergulho no mar. E a novidade estica o tempo. Quando precisamos fazer algo pela primeira vez, nosso cérebro foca toda a atenção para processar essa experiência. Vivemos as primeiras coisas com inteireza.
A magia das novas descobertas é marcante. Me lembro do dia em que fiz bolinhas de sabão na banheira pro meu filho. Mostrei pra ele que, se a gente soprasse, elas saíam voando e foi a coisa mais mágica que ele já viu na vida. Olhos brilhantes, gargalhadas infinitas, pura magia. Foi tão lindo aquele momento de descobrir a vida com olhos de criança que, no meio dos meus risos, comecei a chorar emocionada. Que tragédia ter me permitido esquecer a magia das bolhas de sabão.
O novo nos ancora no presente. Mas, em contraponto, aquilo que repetimos diariamente acaba entrando no automático – não paramos pra processá-lo. Isso é, claro, um recurso necessário para nosso cérebro que não é infinito (mais sobre isso nessa edição aqui), mas também um dos maiores responsáveis por essa sensação de que o tempo escorre pelos dedos.
E tem ainda a fatalidade de nos acostumarmos com as coisas que um dia nos empolgaram. Um dia, sonhamos com o primeiro celular (ou o primeiro carro, a primeira viagem de avião, uma posição de prestígio no trabalho). O dia em que finalmente ganhamos esse celular foi, com certeza, marcante. Eu lembro quando ganhei o meu primeiro. Era da Xuxa. Lindo, rosa, cheio de glitter. Passei o dia rindo, saltitando, olhando pra esse objeto cobiçado nas minhas mãos, sem acreditar que era meu. Me lembro desse dia em detalhes.
Hoje, meu celular não me emociona mais. Faz uns 20 anos que tenho celular. Agora, é normal. Tudo que um dia foi sonho, quando conquistado, perde a aura brilhante dos desejos – vira realidade, vira rotina.
Semana passada, falei sobre a importância de lembrar das coisas que um dia foram um desafio para nós. E o mesmo vale para as coisas que um dia foram sonho.
Na vida adulta, a maior parte dos dias se tornam repetições. Menos novidades, menos momentos marcantes e, consequentemente, menos memória. O tempo acelera porque, aos poucos, deixamos de percebê-lo.
E talvez o jeito mais agressivo da vida esfregar o tempo na nossa cara como uma torta cheia de chantilly seja através das nossas crianças – filhos, sobrinhos, netos, irmãos pequenos.
Eu não mudei tanto assim em quatro anos. Mas não tem como negar a passagem do tempo quando ontem meu filho nasceu e hoje já passou do meu umbigo e tá falando e correndo e conquistando sua independência por aí.
O tempo acontece ali, diante dos meus olhos, refletido nele.
E é aí que eu realmente sinto a perda como um soco na barriga.
Meu filho nunca mais vai ser neném. Nunca mais vai dar os primeiros passos, nunca mais vai dormir dentro de um sling amarrado em mim, nunca mais vai ter aquele cheiro de bebê no cabelo. Quando eu piscar outra vez, ele não vai mais querer dormir na minha cama. Pisco de novo, ele estará saindo com os amigos. Pisco mais uma vez, e ele sairá de casa.
E eu não posso me dar ao luxo de ignorar esse tempo.
E agora???
Se o tempo não para – e pior, acelera – a única coisa que nos resta é viver dentro dele com inteireza.
Se a novidade estica o tempo, talvez a gente precise trazer mais primeiras vezes para a vida adulta. Quando foi a última vez que você fez algo novo? Se permitiu ser aprendiz, sentir aquele frio na barriga de quem está descobrindo o mundo? Não precisa ser nada grandioso. Pode ser aprender a fazer pão, pegar um caminho diferente, experimentar um esporte, escrever com a mão não dominante. Pequenas rupturas na rotina são pequenas brechas na velocidade do tempo.
Mas nem tudo precisa ser novo para ser vivido com presença. Podemos aprender a olhar para o que já conhecemos com olhos de criança (podemos até começar pelo exercício proposto na Lagarta). Quando foi que as bolhas de sabão deixaram de ser mágicas? E se a gente se permitisse enxergar o mundo de novo, com curiosidade, com encantamento? O cheiro do café, a luz do fim da tarde, a risada de alguém que a gente ama.
E quando foi que a gente esqueceu de celebrar as coisas que um dia foram sonho? Você já sonhou em morar onde mora hoje. Já desejou ser quem é hoje. Já quiz tanto o que tem hoje. E quando foi que a gente parou de apreciar? De celebrar e honrar as conquistas? Por que elas perderam a importância quando as alcançamos? Talvez a conclusão deveria ser que, se conseguimos alcançar o que sonhamos, somos tão importantes quanto os sonhos que realizamos (e precisamos nos celebrar também).
Talvez, para desacelerar o tempo, a gente precise focar a atenção. O mundo nos puxa para correr, para dividir a mente em mil abas abertas, para nunca estar 100% onde estamos. Mas a coisa mais preciosa que podemos dar a alguém – e a nós mesmos – é atenção total.
Então, quando estiver com as pessoas que você ama, ativa o modo Não Incomodar do celular, esquece um pouquinho as demandas de amanhã e os dê sua atenção plena. Com seu filho, sua mãe, seu parceiro, seus irmãos, seus amigos.
A vida passa. E eu não quero me arrepender do que deixei escorrer pelos meus dedos.
O tempo não espera. A única constante é a falta dela. A gente talvez não possa segurar o tempo nas mãos, mas podemos segurar o presente (em ambos significados) que ele nos concede.
Mais fotos desse dia aqui.
A Metamorfose: A transformação, mudança
(Experimentar)
Toda história muda dependendo de quem a conta.
Hoje, o convite é pegar uma história que você conhece bem – pode ser um livro, um filme, um conto narrado, um poema – e reescrevê-la sob outra perspectiva.
A proposta: Mantém os eventos-chave da história inalterados, mas escolhe outro personagem para ser o protagonista. Como a narrativa se transforma quando contada pelos olhos de alguém que antes estava à margem?
Será que o vilão ainda parece vilão?
Será que o herói ainda parece herói?
Será que o papel de "certo" e "errado" se mantém?
Talvez o lobo de Chapeuzinho Vermelho tenha sua própria versão dos fatos. Talvez o antagonista de um filme apenas tenha tomado decisões diferentes sob circunstâncias que ninguém viu.
O formato é livre: você escolhe como melhor materializar sua nova história.
Experimentar outras perspectivas na ficção não só nos ajuda a criar personagens mais complexos, cheios de camadas e profundidade (e, consequentemente, histórias mais envolventes e multidimensionais), como também nos treina para enxergar o universo que existe nas pessoas ao nosso redor. E se começássemos a ver o mundo com essa mesma curiosidade?
Ninguém é só herói ou só vilão. Somos todos um pouco de tudo.
A Borboleta: Voo, produção, realização
(Abrir as asas e voar)
Agora, a proposta é criar a partir da sua própria experiência do tempo.
Nem todo tempo passa igual. Alguns momentos evaporam, outros se arrastam.
Pensa em um instante recente que pareceu mais longo ou mais curto do que deveria. Algo que expandiu ou encolheu o tempo. Agora, quero que você registre o tempo. Não o que aconteceu - o tempo. Tá sacando a complexidade do desafio?
Pode ser foto, desenho, som, texto. Me faz ver esse teu tempo - comprimido ou expandido.
Yasujirō Ozu fez isso em Late Spring (1949), quando nos deixa, por um instante, apenas com a imagem de um vaso – um objeto inanimado, imóvel. Na quietude da cena, ele nos faz ver o tempo.
O tempo escapa, mas deixa rastros.
P.S. eu adoraria ver teu tempo, compartilha comigo?
Nesse post ^, te trago um pequeno poema sobre o tempo que se escorre:
Não te esqueces que o tempo nos tem e nunca se demora o suficiente.
No fim do dia
O sol sempre se põe.
Te guardo quentinho dentro de mim,
E o vazio que sobrou
do coração que você tomou pra si, eu encho de saudade
Espero que essa edição te faça ver tempo nos vasos da sua vida.
Bjs e até quarta que vem <3