Quarta Criativa🦋 #16 Eu quero que ele faça ou que faça do meu jeito?
Edição dedicada aos controladores anônimos (ou nem tão anônimos assim)✨
Ainda não conhece a newsletter Quarta Criativa da crisálida? Por que essa estrutura vai desbloquear sua criatividade? Tá aqui a estrutura explicadinha e lindinha só pra tu 💖
O Ovo: onde tudo é possível
(Se inspirar ou referências da semana)
🎥Série: Finalmente vou te recomendar a minha série favorita da vida inteira: Fleabag de Phoebe Waller-Bridge (trailer).
A genialidade de Fleabag está no jeito como desmonta nossas certezas. No início, achamos que conhecemos a protagonista: sarcástica, autodestrutiva, sempre um passo à frente. Mas, aos poucos (e de uma vez só), a série revela que o que vemos é apenas o que ela nos deixa ver.
E não fazemos o mesmo? Criamos versões editadas de nós mesmos, contamos histórias que fazem sentido na nossa cabeça, interpretamos os outros de acordo com o que já acreditamos sobre eles.
O que Fleabag faz, sem piedade, é nos lembrar que ninguém é apenas uma coisa. Todo mundo é um amontoado de contradições, tentando, falhando, sobrevivendo. A série nos força a olhar de novo—para ela, para os outros, para nós mesmos. Talvez seja sobre isso: aprender a ver além do que já decidimos enxergar.
📚Livro: Boy Parts de Eliza Clark (aqui). Irina é jovem, bonita e uma fotógrafa talentosa. Pelo menos, é assim que ela se vê—e como se apresenta. Mas Boy Parts desmonta essa ilusão pouco a pouco, com um humor ácido e uma brutalidade desconfortável.
Eliza Clark constrói uma narrativa que desafia nossas expectativas a cada página. Achamos que entendemos Irina. Achamos que sabemos para onde a história está indo. Depois tudo se desfaz. É um jogo com a percepção, um teste sobre o que escolhemos enxergar e o que preferimos ignorar.
Se você gosta de narradoras instáveis, humor cortante e aquele tipo de história que deixa um gosto estranho na boca, Boy Parts pode ser a leitura perfeita.
🎶Música: Opposite Ways (aqui) de The Dø (outro dos favoritos) fala sobre um desencontro silencioso—quando duas pessoas seguem caminhos opostos sem perceber o quanto estão presas às suas próprias versões da história.
Até que ponto nossas expectativas nos impedem de realmente enxergar o outro? E se o problema não for só o que o outro fez, mas como escolhemos interpretar suas ações? A melodia repetitiva e meio onírica da música reforça essa sensação de loop mental—aquele ciclo onde já decidimos o que é verdade antes mesmo de olhar de novo. Talvez seja um convite: e se, dessa vez, olharmos uma segunda vez?
A Lagarta: Pé no chão, raízes
(Se conectar)
Você já percebeu como, às vezes, a frustração chega antes mesmo de algo acontecer?
Exercício: O instante logo antes
Essa semana, pra te preparar pra reflexão que vem no Casulo, presta atenção nos momentos em que alguém te irrita. Pode ser algo pequeno, sutil. Antes de reagir, se pergunta:
O que eu esperava que acontecesse aqui?
O que me frustrou realmente já aconteceu, ou eu só estou antecipando?
Qual outro significado isso pode ter além do que eu já supus? Que outra intenção a pessoa pode ter tido além da que eu já imagino?
Não precisa tirar conclusões agora. Deixa essas perguntas ecoarem na tua cabeça por um tempo.
O Casulo: Introspecção, reflexão
(Olhar pra dentro)
O que eu espero do outro é possível, ou só reafirma minha própria crença de que nunca será?
Na minha ultima sessão de terapia de casal, falei sobre minhas insatisfações sobre a organização da casa, vulgo, a bagunça do meu parceiro (ou o que ele gosta de chamar de bagunça organizada ’––). E finalizei com “mas eu sei que mesmo se ele tivesse feito x, ele nunca vai fazer que nem eu.” Nossa terapeuta veio com o seguinte tabefe na minha cara “você está frustrada porque ele não fez ou porque, toda vez que ele tenta, só reforça que nunca será exatamente o que você queria que ele fosse?”
Li em algum lugar que frustração nasce do espaço entre o que esperamos e o que recebemos. Mas e se não for só isso? E se, no fundo, essa frustração vier porque eu já sei o que vou receber? Porque, antes mesmo de dar ao outro a chance de tentar, eu já decidi que ele nunca vai fazer como eu quero. Então eu espero, mas não espero. Eu cobro, mas não acredito. Eu fico puta, mas no fundo, não estou surpresa.
Já ouviu falar em viés de confirmação? A psicologia explica como a tendência de buscar evidências que reforcem nossas crenças preexistentes. Se eu já decidi que ele nunca vai fazer direito, qualquer tentativa dele será analisada com uma lupa crítica, e qualquer erro será a prova final de que eu sempre estive certa.
E se eu estou tão ocupada provando que ele nunca alcança, que nem vejo se ele está, de fato, tentando? Como saber se a pessoa realmente não se esforça ou se é só a minha régua que nunca permite que o esforço seja suficiente?
Eu quero que ele faça ou quero que ele faça do meu jeito? Eu quero que ele aprenda ou quero que ele já saiba? Eu quero parceria ou quero controle?
Porque se o problema fosse só ele não tentar, tava massa - mais fácil de solucionar. Mas se o problema for que eu não consigo suportar que exista um outro jeito de fazer, um outro jeito de amar, um outro jeito de existir ao meu lado—então o problema se complica.
Talvez o maior peso que colocamos sobre os outros não seja a expectativa de que “melhorem”, mas a de que se tornem versões nossas. Que sintam como sentimos, ajam como agiríamos, leiam nossa mente, antecipem nossos desejos. Mas será que amor significa encontrar um espelho? Ou permitir que o outro seja inteiro, mesmo quando sua forma de ser nos escapa?
Se eu nunca estou satisfeita, será que o problema está mesmo no outro? Ou está na minha incapacidade de aceitar os outros pelo que são? Como encontrar essa linha tão fina no chão das ações das nossas pessoas?
Se o problema não está só no outro, mas na forma como eu enxergo e lido com as diferenças, talvez eu precise primeiro achar um jeito de sair desse ciclo. Tentar olhar de fato para o que acontece e não só para o que confirma minha narrativa ou para o que falta para chegar à minha expectativa. Se eu quero proximidade, talvez precise abrir espaço para um jeito diferente de acertar.
No fim, aceitar que o outro nunca será exatamente como eu quero não significa abrir mão das minhas necessidades, mas sim aprender a diferenciar o que é uma necessidade real do que é uma vontade de controle (eu realmente não canso de me surpreender com meu desejo insaciável por controle). E isso, talvez, seja uma grande libertação— para mim e para ele.
A Metamorfose: A transformação, mudança
(Experimentar)
Se nossas expectativas moldam tanto o que vemos, será que também moldam o que criamos? E se, ao invés de seguir o roteiro que nossa mente já conhece, a gente experimentasse misturar elementos inesperados para desafiar essas certezas?
Desafio criativo: Remix das expectativas
Escolhe dois elementos do seu cotidiano que parecem não ter relação — pode ser um objeto da casa e uma frase que você ouviu recentemente, uma música que você gosta e uma tarefa que você faz no automático, ou até duas emoções que parecem opostas (como frustração e curiosidade).
Cria algo que combine esses dois elementos: pode ser em qualquer formato que preferir! Pintura a dedo, playlist, colagem…
Enquanto cria, observa: sua mente tenta encaixar isso nas expectativas que você já tem? Como seria deixar esses elementos se encontrarem de uma forma totalmente nova, sem tentar controlar o resultado?
Essa proposta é um convite para abandonar, por um instante, o desejo de que tudo saia exatamente do seu jeito (vou precisar praticar contigo 🥴). Talvez, nesse espaço, você encontre novas formas de ver e criar.
A Borboleta: Voo, produção, realização
(Abrir as asas e voar)
Que tal contrariarmos nosso instinto controlador e criarmos algo sem saber o que esperar?
Proposta: Criação às cegas
Pega um material para criar — pode ser lápis, argila, tinta, seu celular para gravar um áudio, qualquer coisa.
Fecha os olhos. Respira fundo e, sem planejar nada, começa. Desenha sem olhar, escreve sem pensar no sentido, move as mãos sem um objetivo claro. Apenas vai.
Quando achar suficiente, abre os olhos e observa o que surgiu. O que te surpreende? O que veio sem que você esperasse?
O desafio aqui é experimentar um instante de entrega total — sem antecipação, sem controle, sem aquela expectativa rígida de que algo "precisa" sair de um jeito específico. Apenas criar e depois presenciar.
Talvez, assim como nos relacionamentos, a gente também possa se libertar na arte quando solta a necessidade de que tudo aconteça do nosso jeito.
Espero que essa edição ajude a deixar teu olhar mais carinhoso, tua vontade por controle mais solta.
Bjs e até quarta que vem <3